terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Recordar Angulo

O mundo do futebol ainda chora a perda de Angulo. O ex-jogador espanhol era uma espécie de acamado em fase de negação nos últimos tempos e, portanto, deveríamos esperar o pior. Ainda assim, a consternação invadiu toda a tribo da bola, pois todos estávamos convencidos que Angulo seria um gajo tipo Chano, ou seja, que coxearia condignamente até ao final da época. Tal não foi possível.
Vamos lá dar então um lamiré pelo insigne percurso lusitano deste verdadeiro meteorito geriátrico.














30 Agosto 2009 – O Sporting resgata Angulo num blitz demoníaco que alvoroçou todo o jardim onde Angulo jogava à malha. Sim, Angulo seria a nova aventura dos leões pelas terras de nuestros hermanos, depois de pérolas tão bem sucedidas como Toñito, Robaina ou Koke. Foi só uma questão de (não) desafiar a História.
Neste radioso dia, Angulo toca com a sua bengala pela primeira vez no chão de Lisboa e as coisas até começam bem: nos testes médicos revela uma saúde invejável e dispensa mesmo a cadeira-de-rodas. Segundo Angulo, o acordo com o Sporting foi muito fácil: explicaram-lhe a táctica, ele disse que gostou e tumba!, o lar de Alvalade contava com mais um residente. Para disfarçar, disse que vinha ganhar títulos, mas até os responsáveis do Sporting acharam que Angulo tinha ido longe demais nesse desejo – a secreta esperança dos dirigentes era apenas não estourar com o depauperado orçamento em fraldas anatómicas.
Assegurou a camisola 17 por ter “a ilusão de um miúdo de 17 anos”. Tudo bem. As camisolas só vão até ao 99 e, portanto, não era possível ter uma camisola com o número de anos futebolísticos reais de Angulo, que seriam 126, no mínimo. E já se sabe como os velhos são chatos quando começam com aquelas cenas nostálgicas, portanto que ficasse lá com a camisola 17.

13 Setembro 2009 – A mui aguardada estreia de Angulo. E logo a titular. Tinham sido registados alguns movimentos animadores nos últimos tempos, com o substantivo “agitação” a ser conotado com Angulo pela primeira vez nos últimos 75 anos. A ansiedade é grande, mas Angulo, muito experiente, treme apenas devido aos primeiros sinais de Parkinson.
O Sporting recebe o Paços de Ferreira. Ao intervalo está 0-0. Paulo Bento quer mudar as coisas e aposta em alguém para sair. Quem? Angulo, claro está, que adormeceu de boca aberta e a babar-se durante a prelecção do mister. Os adeptos procuravam arranjar desculpas para aquilo que (não) viram durante esses inesquecíveis 45 minutos, onde a bola fora rechaçada em trajectórias indizíveis pelos pés conservados em âmbar de Angulo – a mais comum era “ah, ele vem com falta de ritmo”. Não é de todo verdade: Angulo gostava de dançar o seu charlestonzito de vez em quando, quando a ciática não lhe flagelava muito.

17 Setembro 2009 – Um jogador do quilate de Angulo não poderia ficar arredado das grandes luzes da Europa e portanto são-lhe concedidos 8 minutitos em Heerenveen. Um luxo. E não teve muitos reumatismos no pós-jogo. Angulo, com a sua mística particular, ainda contribuiu para distrair a defesa holandesa com os seus espampanantes truques de deixar a bola sair por entres as pernas pela linha lateral, proporcionando a vitória a Liedson.

21 Setembro 2009 – Paulo Bento não conhece a palavra “piedade” e, pérfido, insiste em Angulo para a titularidade no jogo contra o Olhanense, nem 10 dias tinham passado após o seus últimos 45 minutos a titular. Foi quase fatal essa opção. Angulo, sobrecarregado, ia tendo um AVC. Paulo Bento, para não ter que queimar uma substituição devido a falecimento ao intervalo, recolhe Angulo para a caminha logo aos 28 minutos com o placard em 0-2. O Sporting ganha o jogo in-extremis e o plantel tenta reconfortar Angulo, dedicando-lhe a vitória. Mas Angulo não ouviu nada: desde o rebentamento de uma bomba durante a Guerra Civil Espanhola que Angulo possui uma audição muito débil, pese embora a dimensão parabólica das suas orelhas. Os adeptos, contudo, já começam a não achar piada e chegam as primeiras justificações do empresário, proprietário de um franchising de lares de 3ª idade na costa Cantábrica.














To be continued...

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